terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Texto de Carlinhos Veiga sobre a 1ª IBB


UMA IGREJA SEM PORTAS E JANELAS

Numa das minhas andanças por essas terras fui convidado a participar de um Fórum Popular de Teologia na cidade de Olinda, Pernambuco, em novembro de 2006. Várias entidades apoiavam essa iniciativa da Igreja Batista de Bultrins, que tinha por tema “Igreja, Comunidade e Violência”. O assunto era muito pertinente para uma igreja plantada em meio a uma região de muita pobreza e consequentemente de enormes conflitos sociais.


Chegando ao local percebi que não era uma atividade meramente preparada pela igreja para a igreja. Era um evento que envolvia toda a comunidade ao redor. Estavam ali representadas várias sociedades civis e movimentos populares. Uma quermesse se estendia rua afora, defronte ao templo, como um tapete vermelho de boas vindas aos participantes que vinham de todo o Recife e de vários estados do país.


Fui andando no meio daquele povo sorridente e carinhoso buscando alcançar o local das reuniões quando me deparei frente a frente com o templo: um prédio simples, rude, inacabado, sem portas e janelas. Isso mesmo: não havia portas nem janelas, apenas vãos abertos, orifícios vazios, vazados, como o sorriso banguela de muitos daqueles transeuntes. Pensei comigo: como isto é possível? Uma igreja aberta 24 horas, que não fecha suas portas porque não tem portas para fechar, que não tranca suas janelas porque não tem janelas. Uma igreja sem cadeados e chaves, sem trancas e tramelas. Quis saber um pouco mais sobre aquilo.


Paulo César era um jovem que na década de 90 sonhou, juntamente com alguns companheiros e irmãos de fé, em levar o evangelho de Cristo ao povo humilde e sofrido da Vila Esperança, periferia de Olinda. Inicialmente faziam apenas reuniões evangelísticas, mas aos poucos outras necessidades surgiram. O povo precisava de tudo. Muitos estavam famintos, outros tantos doentes, outros vivendo pesados dilemas e dramas psicológicos. Era preciso fazer algo mais do que estudos bíblicos e pregações. Apesar das limitações, Paulo e seus companheiros seguiram os passos de Jesus e se envolveram, movidos por compaixão, com os moradores da vila Esperança.


Com os anos uma igreja Batista se formou ali. Adquiriram um terreno com o apoio da população local e começaram a construir o templo. Lançaram a fundação, levantaram as paredes e colocaram o telhado. Faltavam apenas as portas e janelas. Passaram a se reunir ali mesmo com a construção não concluída. Foi quando aconteceu algo que mudou radicalmente os rumos da Igreja Batista de Bultrins. Incomodados com a desafiadora mensagem do evangelho, seis irmãos se apresentaram à liderança como candidatos ao ministério – queriam estudar teologia. Mas a igreja não dispunha de recursos para este envio. Foi aí que tiveram de tomar a difícil decisão: ou enviavam os seis para o seminário ou colocavam as portas e janelas no prédio. A Assembléia optou pelo mais sensato, embora muitas vezes não seja entendido pela maioria de nós como o mais lógico: enviaram os vocacionados. Com esta atitude, sem perceberem, estavam delineando, esculpindo a visão ministerial daquela igreja. Ao privilegiarem pessoas ao invés de coisas definiam uma cultura que caracterizaria a comunidade.


Anos se passaram e as portas e janelas nunca foram colocadas. Um novo conceito de igreja, e não só de templo, foi definido ali. Terminaram as instalações hidráulicas e elétricas, compraram cadeiras, instrumentos de som, mas nada de portas e janelas. Uma relação diferenciada foi estabelecida entre a igreja e os moradores da região. Com as portas abertas 24 horas, moradores de rua passaram a dormir no templo. Famílias de sem-teto agora tinham um canto para se abrigar do frio e das chuvas. Passaram a servir o sopão aos mais carentes nas noites de segunda-feira. Os garis que cuidavam da limpeza da região agora tinham uma sombra boa para o almoço e a rápida sesta. E assim a comunidade ao redor se abriu para a igreja porque a igreja se abriu, ou melhor, não se fechou, para a comunidade.


Tive o privilégio de subir o morro da Vila Esperança com o Pastor Paulo César, de serpentear por entre aqueles becos que revelam tanta miséria, pobreza e violência. Por onde passávamos o povo o saudava com sorrisos e abraços. As crianças corriam na sua direção quando o viam e gritavam carinhosamente “irmão Paulo, irmão Paulo!”. Dizem até que num determinado período muito conturbado e violento ali o único que tinha carta branca para entrar e sair a qualquer hora do dia e da noite da Vila Esperança era o irmão Paulo. Tudo por causa de uma igreja que decidiu não ter portas nem janelas. Que optou por não fechar-se em si mesma, mas abrir-se para aqueles que estão ao redor.


Não pretendo ser simplista, muito menos romântico. A Igreja Batista de Bultrins paga um preço por essa atitude, e não é barato. Vez por outra precisa administrar conflitos internos e externos por não ter portas nem janelas. Mas sua atitude marcou a vida de toda uma comunidade que agora compreende verdadeiramente as palavras de Jesus: O que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora (João 6.37).

3 comentários:

  1. Nunca mais encontrei o pastor Marcos Monteiro, por onde você anda homem? Saudades!
    Esta terra quente chamada Jequié te espera...
    Meus olhos encheram de lágrimas ao ler este texto. Esta é a verdadeira proposta do evangelho, se abrir aos necessitados!
    Espero um dia conhecer este lugar...ou até outras igreja como esta.
    Abraços!
    Belo texto Carlinhos Veiga e bela prática 1ª IBB!

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  2. Pela terceira vez venho a essa comunidade, e meu coração se enche de alegria e esperança.
    Ja há algum tempo foram colocadas as portas e janelas nessa Igreja, mas a atitude de acolhimento se mantem inalterada. Aleluia!!!
    Texto maravilhoso Carlin

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  3. Não é por nada não mais quando essa igreja era sem portas e janelas eu passava por essa rua manoel requeiras e era tanta gente nesta igreja que nao .
    tinha lugar pra sentar quem dirá vaga de carro era muito animada tinha na rua muitas festas quermesses realmenna uma igreja maravilhosa.Hoje esta precisando buscar novamente a auto estima daquelas pessoas que deixaram de comparecer é preciso renovar o valioso motivo que representa essa igreja o amor de Deus a palavra a fidelidade em cristo buscar e fazer valer.Eu creio nisso gloria e p

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